Direito <i>à la carte</i>

Anabela Fino

O Go­verno PSD/​CDS pa­rece cada vez mais con­ven­cido de que pode in­ter­pretar a seu belo prazer o con­ceito de Es­tado de di­reito, dei­xando claro que para a di­reita mais re­ac­ci­o­nária já não basta, para atingir o ob­jec­tivo de co­locar o País ao ser­viço do ca­pital, fazer de conta de que vi­vemos num Es­tado de di­reito de­mo­crá­tico, ainda que re­du­zido à ex­pressão mais sim­ples de re­a­li­zação pe­rió­dica de elei­ções.

Dei­xando de lado, neste apon­ta­mento, o facto não pouco re­le­vante de que a de­mo­cracia re­pre­sen­ta­tiva – apesar de todas as suas po­ten­ci­a­li­dades – não ser mais do que uma pa­rente pobre da de­mo­cracia par­ti­ci­pa­tiva, vale a pena lem­brar que o Es­tado de di­reito não é pro­pri­a­mente um ser­viço à la carte onde os go­ver­nantes de turno vão es­co­lher as re­ceitas que a cada mo­mento me­lhor se aprestam às po­lí­ticas que pre­tendem im­ple­mentar.

Viver num Es­tado de di­reito sig­ni­fica que os po­deres ins­ti­tuídos, tal como todos os ci­da­dãos, devem res­peito às leis vi­gentes. Dis­pondo o Go­verno de uma mai­oria no Par­la­mento – que é como quem diz tendo ga­ran­tida a apro­vação das leis que impõe ao País – e con­tando com um Pre­si­dente da Re­pú­blica do seu es­pectro par­ti­dário, seria de es­perar que pau­tasse a sua acção pela le­ga­li­dade. Puro en­gano. Um go­verno, uma mai­oria e um pre­si­dente não bastam para a sanha des­trui­dora dos di­reitos con­quis­tados pelos por­tu­gueses de que o Exe­cu­tivo está im­buído. São ne­ces­sá­rias me­didas «ex­cep­ci­o­nais» para a si­tu­ação de «emer­gência», alega o Go­verno, que evoca a «equi­dade» para o roubo nos sa­lá­rios, pen­sões e re­formas, para o au­mento de im­postos e a im­po­sição de uma so­bre­taxa de IRS de 3,5 por cento, en­quanto en­terra mi­lhares de mi­lhões de euros dos con­tri­buintes para salvar a banca frau­du­lenta e en­trega todos os re­cursos do País à vo­ragem dos pre­da­dores na­ci­o­nais e/​ou es­tran­geiros. Numa pa­lavra, é pre­ciso sus­pender a Cons­ti­tuição – en­quanto não for pos­sível al­terá-la de forma a des­fi­gurá-la de vez – para que o que é cons­ti­tu­ci­o­nal­mente proi­bido seja ver­tido em forma de lei de molde a es­po­liar o povo por­tu­guês até ao tu­tano: de ren­di­mentos e de di­reitos.

Eis, em sín­tese, o que pre­tende o Go­verno. A bem da nação, evi­den­te­mente.

 


Mais artigos de: Opinião

É só fazer as contas

Neste novo ano que se inicia fa­lemos de nú­meros, for­tunas, ex­plo­ração, re­ca­pi­ta­li­za­ções, roubos e luta. No ano que passou, o tal ano da crise, dos sa­cri­fí­cios para todos, em que era mesmo ur­gente e ne­ces­sário apertar o cinto, eis que um pu­nhado de in­di­ví­duos (os que não vi­vendo acima da suas pos­si­bi­li­dades vi­veram cer­ta­mente em cima das im­pos­si­bi­li­dades de muitos ou­tros), viu o es­forço dos ou­tros ser am­pla­mente re­com­pen­sado nos seus bolsos.

Japão, ambições e memória histórica

Ao contrário do que afirmam certos comentadores, a esmagadora vitória do Partido Liberal Democrático nas recentes eleições do Japão, não tendo uma leitura fácil e linear, não representa uma qualquer vaga de apoio às posições nacionalistas...

O artigo 231

Este número do nosso jornal chega às bancas no mesmo dia em que, do outro lado do Atlântico, o povo da Venezuela enfrenta mais uma batalha da sua já longa e vitoriosa luta pela defesa e consolidação da revolução bolivariana. Em causa está, desta vez, a...

Recorrente, inconsequente e perversa

Assim se pode caracterizar a mensagem do PR de 1 de Janeiro, porque a sua crítica à situação do País, a distância relativamente à «espiral recessiva» e aos seus resultados e a dúvida sobre a constitucionalidade do OE, ou algo parecido, são...

Imperialismo e crime organizado

Há uma semana Jorge Cadima escrevia sobre a «velha banca» que branqueia capitais. Por uma curiosa coincidência, o Economist (5.01.2013) escreve sobre os investigadores a que as grandes empresas transnacionais vêm recorrendo para verificar se os parceiros com quem negoceiam são ou...